Gestão

Antidoping no trabalho

de Karin Hetschko em 30 de maio de 2017
Lance Armstrong / Crédito: Divulgação
Depois de tantas superações, Lance Armstrong confessa dopping / Crédito:Shutterstock

De herói a vilão: assim é descrita a biografia do ciclista norte-americano Lance Armstrong. O esportista que, depois de vencer a batalha contra um câncer, conquistou nada menos do que sete títulos do Tour de France, perdeu toda a credibilidade do dia para a noite ao reconhecer que fazia uso de substâncias e práticas proibidas durante seus anos de glória no esporte. Ele, que havia sido premiado com o troféu Fair Play (jogo limpo) por seus valores desportivos, até então intocáveis, foi intitulado como o number one entre os atletas antidesportivos de 2012, ano em que o escândalo foi deflagrado.

Assim como Armstrong, há milhares de profissionais que podem ter a carreira e a vida destruídas pelo uso de substâncias ilícitas e de álcool. Em muitos casos, é a própria rotina dos tempos modernos que induz a essa situação. São horas de trabalho, contando as horas extras muitas vezes diárias, o tempo perdido no trânsito, as filas no supermercado e o estresse com serviços terceirizados que não são prestados da forma adequada. Tudo isso leva o indivíduo a escolhas que são vendidas como soluções. Abordar o tema, observando a profundidade do assunto, trata-se de uma questão social, não apenas individual.

Dentro desse debate, algumas empresas resolveram adotar o teste toxicológico com seus colaboradores e na contratação de novos quadros funcionais. A prática ainda não ganhou fôlego no Brasil, mas já é comum em países da União Europeia e nos EUA. No caso do Reino Unido, há inclusive pesquisas que abordam o tema: no último estudo, provou-se que um em cada 30 colaborados trabalhava com drogas no sistema (3,23%).

Os rastros das substâncias ilícitas e do álcool
A prática ainda gera polêmica, mas os números são favoráveis à proposta. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 20% a 25% dos acidentes de trabalho no mundo envolvem pessoas sob o efeito de álcool, medicamentos ou drogas que causam danos aos outros e a si mesmas. Segundo cálculos do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), o Brasil perde por ano 19 bilhões de dólares por absenteísmo, acidentes e enfermidades causadas pelo uso de álcool e outras drogas.

“Existem estudos, em todo o mundo, que mostram a queda do número de acidentes de trabalho e do absenteísmo, após a implantação do programa de prevenção de álcool e drogas na empresa”, indica Cristina Pisaneschi, diretora da Chromatox, empresa especializada em testes toxicológicos.

É claro que o teste gera insegurança tanto no trabalhador que atua na empresa quanto aquele que visa ingressar nela. Por isso, é indicado que antes de aplicá-lo se tenha uma política clara, por escrito, discutida e acordada com todos os funcionários. Porém, uma das principais questões a serem abordadas é: o que fazer se o teste der positivo?

Nas palavras de Cristina, para que um programa tenha sucesso e seja eficaz dentro de uma empresa, ele deve ser implantado sob o angulo de promoção da saúde e bem-estar. “Um programa de prevenção de álcool e drogas deve abordar o tratamento que será feito nos funcionários que apresentarem um resultado positivo, que podem ser desde ambulatorial até internação.”

Para o advogado Orlando Zara, da Zara Advocacia, o tema deve ser tratado com cautela. “A informação deve ser mantida em sigilo pela empresa com finalidade de evitar qualquer tipo de constrangimento desnecessário. Os outros funcionários não precisam receber qualquer informação a esse respeito”, destaca.

Por outro lado, avalia o advogado, dependendo da função que o empregado exerça, o seu afastamento das funções normais deve ser imediato. Esse é caso de condutor de coletivos, aviador e operador de máquinas pesadas. “O uso de drogas pode se refletir no desempenho desses profissionais e existem enormes riscos à integridade física de terceiros, colegas de trabalho e até do próprio funcionário, que podem gerar enormes prejuízos ao empregador.”

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Orlando Zara / Crédito: Divulgação
Zara, da Zara Advocacia: reflexo no desempenho / Crédito: Divulgação

Teste voluntário
Mas e se o colaborador se negar a participar do programa? De acordo com Zara, a falta de legislação pertinente e a ausência de jurisprudência formada tornam a matéria ainda muito controvertida. “A solução para essa questão está diretamente ligada ao bom-senso e à clareza no trato com os candidatos e, ou funcionários. Dessa forma, o exame toxicológico deve ser realizado sempre de forma voluntária e com expressa autorização por escrito do empregado ou voluntário”, explica.

Por outro lado, em recente resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que entrou em vigor em janeiro de 2014, é prevista a realização de exames toxicológicos para motoristas profissionais das categorias C, D e E. Esses exames serão conduzidos na renovação dessas carteiras, mudança de categoria ou na primeira habilitação. “Assim, para os casos em que a qualificação dos funcionários está relacionada a essa especificação, a realização de referido exame em processo seletivo ou corriqueiramente nada mais é do que cautela para cumprimento da lei”, explica Zara.

Processo de seleção
Segundo o advogado, em caso de processo seletivo é necessária a autorização prévia do candidato para a realização do teste. Esta deve ser solicitada quando ocorre o preenchimento da ficha de entrevista, podendo conter perguntas como, por exemplo, se a pessoa faz uso do tipo de substâncias que serão objetos de pesquisas. “A negativa de responder às referidas perguntas ou negativa de fazer exame pode determinar eliminação do processo seletivo”, diz.

Em caso de contratação, a empresa ainda pode solicitar ao candidato que informe se concorda com a realização de exames periódicos dessa natureza futuramente. Também pode incluir a cláusula em contrato de trabalho.

Por outro lado, existem segmentos, como o da aviação, que, em razão de globalização, uma vez que o exame é feito usualmente no âmbito internacional, também é feito corriqueiramente no Brasil, sem qualquer polêmica. Isso porque já é costume internacional da área, pelo risco que envolve a profissão, bem como o rigor do cuidado com a saúde que se toma com
esses profissionais.

Na raiz do problema
A maioria das empresas opta pelo teste a partir de uma amostra de cabelo para evitar o constrangimento. Lembre-se, nos testes de urina, é necessária a presença de alguém no momento da coleta para evitar fraudes.

Outra vantagem é que essa análise oferece um histórico mais longo do consumo de drogas. “Ela oferece um histórico de uso de dias, meses ou até anos”, afirma Cristina, da Chromatox. A executiva explica que, por exemplo, em um segmento de cabelo medindo três centímetros, o indivíduo teria de se abster do uso de drogas por, pelo menos, três meses para que a análise do cabelo se tornasse negativa. “Em contraste a uma semana de abstenção no caso de a amostra usada ser urina”, completa.

Segundo Cristina, a análise toxicológica de amostras de cabelo pode detectar qualquer substância que se deposita no cabelo durante o crescimento dele. Comumente essa análise é aplicada para drogas ilícitas como cocaína, maconha, anfetaminas, crack, ecstasy e outras substâncias, assim como também detecta o uso de medicamentos como benzodiazepínicos (clonazepam, diazepam, lorazepam, etc.)
No caso do uso de álcool, os biomarcados do teste indicam a abstinência, ou o uso abusivo, crônico e excessivo dele. “A avaliação do consumo de álcool por meio desses biomarcadores é um exame bastante útil, quando os resultados são interpretados juntamente com avaliação clínica”, destaca.

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