Saúde

Boa gestão: o remédio para a rotatividade

de Dum De Lucca em 27 de agosto de 2015

Márcia, do Mater Dei: investir na integração e na capacitação

Serviços na área de saúde são graves entraves do Brasil. A conhecida morosidade e a falta de profissionais são as principais queixas tanto no setor público como no privado. Dia sim, dia não, os noticiários mostram o desperdício de equipamentos, medicamentos e até construções, que deveriam atender a população, mas que por diversas causas foram abandonados em meio à burocracia do Brasil.

A falta de gestão em saúde no país é notória. Temos um número de enfermeiros maior do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) — 3,8 profissionais  para cada 500 habitantes, sendo que a OMS aconselha um profissional para cada 500 habitantes  — e ainda assim não damos conta do recado. Mais um dado que indica a falta de gestão nesse setor: de 2009 a 2012, das 27.282 vagas de empregos criadas, a área de enfermagem representa 9% desse total.

E num sistema sem uma gestão de negócios e de pessoas adequado, o capital humano dessas empresas inicia o processo de êxodo para ambientes menos ríspidos. É o que vem acontecendo com os profissionais da área de saúde, em especial, com os enfermeiros.

São plantões extenuantes, condições de trabalho, às vezes, pouco favoráveis, pouca ascensão na carreira e investimentos parcos em educação continuada. Essas são algumas das razões que levam à alta rotatividade da área. O turnover médio entre os enfermeiros brasileiros foi de 2,54% em 2013 — baixo para os padrões de áreas como call center, mas alto para a área de saúde. Os especialistas afirmam que esse dado preocupa, pois o segmento não possui tantos profissionais preparados para substituir aqueles que estão saindo.  

Como consequência do turnover, temos impacto na qualidade do atendimento e da produtividade dos hospitais, o que pode gerar implicações como desorganização de escalas, problemas administrativos e comprometimento na qualidade do serviço.

Virando o jogo

Para evitar esse caos, alguns hospitais da rede privada têm investido fortemente na formação de seus quadros funcionais. Um modelo que serve como referência é o do hospital Mater Dei, de Belo Horizonte.

Márcia Salvador Géo, vice-presidente assistencial operacional e diretora da clínica, afirma que a melhor estratégia para reter funcionários é “ter uma política de recursos humanos que valorize o trabalho dos colaboradores e os selecione de acordo com os valores da instituição”. A executiva conta que, como o mercado está aquecido, as empresas da área de saúde precisam investir em formação profissional dentro dos hospitais.  “Temos de formar esse profissional e valorizar seu trabalho para que ele se sinta completo e possa performar com excelência”, afirma.

Para Márcia, a principal causa do turnover é o distanciamento do profissional em relação aos valores e objetivos estratégicos da empresa. “Algo que demanda certo tempo para ser absorvido e influencia diretamente no resultado do trabalho”, destaca. A executiva relata que todos os colaboradores passam por avaliações mensais de desempenho, de objetivos, de satisfação de clientes, além de um feedback bianual de performance — tudo certificado por três normas, sendo duas internacionais.

Ela ressalta que uma ação importante para evitar o turnover nas áreas como CTI, pronto-socorro e oncologia pediátrica – setores de estresse psicológico acentuado – ocorre no processo de seleção, com uma triagem que observa o perfil dos profissionais e que tipo de paciente ele deve atender.

Essa receita do Mater Dei se torna ainda mais importante, de acordo com Márcia, com a expansão da rede. Além da unidade Santo Agostinho, a empresa espera, em breve, inaugurar a unidade Contorno, também em Belo Horizonte. “Estamos em um processo de estabilizar o quadro do Santo Agostinho e formar um contingente para a nova unidade. Nossa opção, desde 2012, foi criar o Centro de Formação Institucional, onde esses técnicos começam no hospital ainda como estagiários, depois passam a ser bolsistas e vão para o centro de formação, de onde saem diretamente contratados pelo hospital”, explica. Dessa forma, diz a executiva, o hospital baixou o índice de turnover de 3,0% para 2,1%, em 2013.  “Justificamos totalmente o investimento com esses dados”, enfatiza.

Motivos da saída

Márcia informa que são cerca de 800 técnicos de enfermagem nesse processo de capacitação contínua, e que o centro forma, em média, de 20 a 30 técnicos por mês, dos quais 90% são admitidos. A capacitação consiste em aulas de nível técnico e de curso superior, sendo que para a primeira opção é necessário que o aluno tenha o ensino médio e dois anos de curso técnico, e para a segunda a faculdade de enfermagem. “Temos também um convênio com a Fundação Lucas Machado, que nos indica enfermeiros formados para uma especialização de dois anos; absorvemos grande parte dessas indicações.” Nessa especialização, informa a executiva, os alunos são formados em terapia intensiva, hemodiálise, emergência, entre outras especialidades.

Outra referência em gestão de pessoas no segmento da saúde é o Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo. Para Fabio Patrus, superintendente de gestão de pessoas e qualidade, é preciso olhar o problema da rotatividade do setor por duas óticas: a do turnover e a do absenteísmo. “Tratamos das duas posições com a mesma filosofia, pois tanto o desligamento como a falta do profissional causam o mesmo impacto”, lembra. No Sírio-Libanês, o efetivo da enfermagem é de cerca de 1.800 colaboradores e o índice de turnover é de 1,2.

Centro de formação do Mater Dei: profissionais valorizados permanecem mais tempo
nas empresas

Patrus explica que, em caso de saída do funcionário, a área de RH chama o colaborador para uma conversa a fim de saber o motivo que o levou a pedir demissão. “Assim corrigirmos possíveis erros”, observa.  Em geral, diz o executivo, as causas de saída do profissional estão relacionadas à atratividade do mercado, questões pessoais e de ambiente de trabalho, como sobrecarga, falta de adaptação e estresse.

Segundo Patrus, o maior impacto é o efeito em cadeia, pois a ausência do profissional é sentida tanto na administração como no atendimento. Para amenizar os impactos, o hospital criou um sistema de cobertura por semelhança de função e de atendimento. Isso significa dizer que um profissional da unidade semicrítica pode ser remanejado para a crítica, desde que ele tenha a capacitação complementar. Por outro lado, diz Patrus, “como somos um hospital muito especializado, o andar de ortopedia tem uma série de procedimentos e protocolos específicos que não servem para a oncologia, e quando se passa de um determinado limite de falta de pessoal optamos pela escala de dobra de plantão, pois a especialização é fundamental”.

Patrus ressalta que, cada vez mais, a instituição vem criando ferramentas de qualificação para que os colaboradores sejam multiespecializados e consigam transitar, por exemplo, tanto na ortopedia quanto em áreas similares, ou então lidar com idosos e pacientes crônicos. Ele salienta que o hospital conta com uma reserva técnica de 2% do próprio quadro para cobrir faltas e desligamentos. Essa reserva está diretamente ligada à formação que o Sírio-Libanês promove.

“Quando o profissional ingressa na instituição, participa de um processo de integração de dois dias, depois fica mergulhado em capacitação específica da sua área, para então ser alocado ao trabalho.” Todo esse processo ocorre em 45 dias. O executivo do Sírio-Libanês conta que a capacitação é teórica e prática. “Temos simulações dos procedimentos e das habilidades com bonecos e também com pacientes. Essas ações são sempre acompanhadas por profissionais que avaliam e dão feedback aos novatos – o resultado dessa capacitação é inserido posteriormente no prontuário do colaborador. Após esse período de capacitação, o profissional só assumirá a escala sem supervisão 30 dias após ser alocado em seu setor.

As equipes dedicadas à capacitação da enfermagem têm um profissional educador para cada 150 alunos, não apenas na capacitação inicial para a função, mas também para o desenvolvimento de habilidades e mecanismos de qualificações, em um processo de educação continuada. “Em média, para enfermagem, são 5 horas/homem/ mês de educação continuada por conta das novas técnicas, das inovações e das simulações. O acompanhamento da prática dos profissionais, quando são orientados sobre técnicas e abordagens, serve como avaliação.”

Outro aspecto que o executivo do Sírio-Libanês enfatiza como fundamental para a retenção é o pacote de benefícios e o plano de carreira. Além de salários acima da média do mercado e dos bons benefícios, o perfil de competências dos profissionais permite que se candidatem a cargos disponíveis, mesmo em outras áreas.

Reserva técnica para evitar perdas

Por meio do Projeto Trilha de Carreira, os funcionários acessam pela internet as trilhas de cargos de natureza semelhante, que na enfermagem começam na tradicional – auxiliar; técnico; enfermeiro júnior e sênior. “Temos três eixos de carreira: especialista, desenvolvimento (educador) e gestão, e na mesma trilha todas as posições disponíveis que não são apenas de enfermagem, mas de outros setores também”, afirma. Assim, o enfermeiro tem a opção de migrar para um departamento diferente, como o administrativo, de qualidade, de auditoria interna, de estratégia, de informação em saúde, de RH e de TI ainda. “Isso possibilita o crescimento dos colaboradores e a garantia da qualidade dos serviços prestados”, diz Patrus.

Orsi, do 9 de Julho: reservas técnicas desses profissionais

O gerente de RH do Hospital 9 de Julho, Santino Orsi, conta que a rotatividade do setor é uma consequência da demanda de mercado.  “O turnover se tornou natural e as empresas têm estratégias consolidadas para enfrentar o problema”, observa. Assim como Patrus, do Hospital Sírio-Libanês, ele menciona como exemplo de estratégia criar uma reserva técnica desses profissionais. “Aqui, no Hospital 9 de Julho, dimensionamos nossa equipe com essa reserva técnica absorvida já no processo de admissão.Dessa forma, não temos ausência de pessoas na escala e o impacto negativo é minimizado, com isso, nosso índice de turnover é de 1,6%”, explica. Ademais, completa, o método de contratações do hospital abrange treinamento institucional e técnico de quinze dias.  “Por mais que você traga uma pessoa formada, temos nossos protocolos e critérios de atendimento que o profissional precisa compreender.”

Orsi também explica que a instituição investe na integração desse profissional com a cultura da empresa. “O hospital realiza um período de integração e acolhimento para uma rápida adaptação, além de um programa de capacitação com certificações de qualidade, protocolos, habilidades, procedimentos e padrões.” Assim, conta o executivo, o colaborador tem condições de assumir efetivamente a função após trinta dias dessa integração.

Outra ferramenta de retenção do 9 de Julho é investir no correto processo de recrutamento e seleção. No hospital, conta Orsi, o profissional passa por uma série de avaliações, provas teóricas e práticas, além de uma análise comportamental. “Caso passe em todas essas fases, o profissional está habilitado a compor a equipe do Hospital 9 de Julho”, explica.

Níveis da profissão

Se necessário, o Hospital 9 de Julho paga uma parte dos custos de cursos e especializações de seus colaboradores.  “Criando assim um vínculo na educação continuada”, destaca Orsi. Outra ação sublinhada pelo executivo é o Programa de Capacitação de Graduados, que possibilita que o técnico em enfermagem se capacite como enfermeiro. Desse modo, o colaborador pode iniciar com nível técnico e chegar a enfermeiro sênior, ou migrar para outras áreas, como auditoria de contas, educação, qualidade ou faturamento.

“Por isso, nosso efetivo, em torno de 1.000 colaboradores, não sofre impacto com saídas, mesmo porque nossos profissionais são treinados para atuar em mais de uma área, o que minimiza as faltas”, indica o executivo. Para ele, as oportunidades internas sempre aparecem e o hospital acredita nisso para reter esses profissionais.

+ Profissionais 
De acordo com dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), em 2011 o país tinha um total de 1.856.683 profissionais de enfermagem, sendo 346.968 enfermeiros, 750.205 técnicos, 744.924 auxiliares e 14.291 atendentes 

Compartilhe nas redes sociais!

Enviar por e-mail