Gestão

Cartas na mesa

de Jacqueline Sobral em 9 de abril de 2015

Talita, da L’Oréal: presença nas redes sociais para se comunicar com os jovens

 

A garantia de que em dois meses ele virará o CEO da empresa, de que não haverá rotina em seu dia a dia de trabalho e de que será sempre possível conciliar muito bem a qualidade de vida ao bom desempenho profissional. Isso tudo, claro, aliado a um alto salário e a uma marca corporativa forte que lhe traga status. Segundo gestores e especialistas, esses são, geralmente, os anseios dos jovens que estão prestes a ingressar no mercado, ou que já conquistaram uma vaga de estágio ou trainee. Como lidar com tantas expectativas e com uma autoestima tão elevada? O primeiro passo é dar a eles um “chá de realidade”. Na lista de prioridades das companhias que não querem apenas atrair, mas reter esses jovens talentos, estão também a transparência sobre os objetivos da empresa e o que ela espera de quem está entrando na organização, a oferta de novos desafios, a orientação e o feedback constantes.

 

Retenção de Trainees

Marcos Fabossi, sócio-diretor da Crescimentum, conta que o índice de retenção de trainees em várias empresas com as quais trabalha é menor que 30%. Ele destaca que muitas estão preparadas para “vender” programas para a mão de obra jovem, e o próprio nome da organização já é suficiente para isso, sem ter de fato um projeto com foco no perfil desse público. “O problema começa quando esses jovens entram pela porta da empresa e se perguntam: ‘Onde está a empresa que me venderam?’. Mais do que o RH, toda empresa precisa estar preparada para receber esses jovens, caso contrário, não conseguirá retê-los.” Ou seja, o estudante ou recém-formado já tem naturalmente uma expectativa muito alta, e cabe à organização ser transparente e mostrar os limites e as regras do jogo.

Já Marcelo Peixoto, CEO da consultoria Hi-Po New Talents, calcula que a evasão de jovens talentos após o fim do programa de trainee varia de 10% a 60%. “Pela nossa experiência, a maioria das empresas trata os jovens da mesma forma que os mais velhos, como se estivesse oferecendo um processo padrão de aquisição de talentos. Após o primeiro ano, o turnover já é alto, pois esses jovens chegam com expectativas de ‘mudar o mundo’, e se desiludem com a experiência corporativa.”

 

Líderes do futuro

Oferecendo há mais de 50 anos seu programa de trainee Líderes do futuro e, desde o ano passado, investindo também em uma competição como um complemento do processo seletivo de estagiários, a Unilever Brasil tem justamente a preocupação de conversar e de falar sobre a empresa com os jovens muito antes de eles pensarem em se inscrever em seus programas. Para Joana Rudiger, gerente de talentos da organização, o grande benefício que a digitalização e a virtualização do mundo trouxeram foi essa oportunidade de aproximação que antes não existia. “Consigo falar com os jovens, hoje, muito antes de eles começarem a procurar trabalho, contribuindo para que façam escolhas de acordo com seus interesses. No passado, às vezes, só conseguíamos nos comunicar quando eles estavam na empresa”, afirma. Joana cita como indicador de sucesso o fato de 45% do board da Unilever Brasil ser composto por ex-trainees, assim como 35% da diretoria. “Quando o jovem se inscreve em um dos nossos programas, sabe que vai ser desafiado, que pode
chegar a diretor, a vice-presidente.”

 

Cultura

Uma pesquisa realizada com 1.060 candidatos a programas de trainee pela Seja Trainee, com o apoio da Page Personnel, concluiu que o nome da empresa e a força da marca, assim como a área de atuação da vaga que está sendo oferecida, empatam em primeiro lugar no rol de prioridades dessa turma que está ingressando agora no mercado de trabalho. A identificação com a cultura da empresa vem em segundo, e a estrutura do programa de trainee, em terceiro.

Para Cristina Lima, gerente de RH da Engineering, empresa de engenharia especializada em projetos e gerenciamento de empreendimentos, do Grupo Hill International, o fato de os jovens elegerem a força da marca como uma de suas principais preocupações é reflexo do imediatismo e da vontade de crescer rápido na carreira, típicos do grupo. Por essa razão, ela enfatiza que eles precisam de direcionamento. “É fundamental criar neles o entendimento de que a experiência que vão adquirir não pode ser jogada fora, e reforçar que não é possível atingir grandes resultados com atuações superficiais sobre a organização e principalmente sobre as relações.”

Um dos desafios de lidar com os jovens de hoje é que, ao contrário das gerações anteriores, muitos cresceram em uma família com pais mais ausentes, que tentaram suprir as longas horas fora de casa dando mais autonomia e menos regras aos filhos, que se acostumaram a quase nunca ouvir a palavra “não”. “Essa geração recebeu ‘mais’ do que as outras em termos de cuidados, estímulos, informações, abertura no diálogo e na convivência familiar. Tiveram influências múltiplas, de pais, tios e avós, e com isso tornaram-se uma geração com a autoestima muito elevada”, avalia Fabossi.

 

Busca de jovens talentos

Juliana Alcântara, gerente de pessoas do Laboratório Sabin, segue a mesma linha, mas reforça que, além da questão comportamental, o grande problema é a falta de preparo dessa juventude. “A busca de jovens talentos é um desafio, pois enfrentamos, no Brasil, uma educação de baixa qualidade e, por outro lado, jovens cada vez mais exigentes em relação aos ambientes de trabalho. As organizações precisam investir mais em desenvolvimento, não só de competências técnicas, mas também comportamentais, pois esses jovens têm a desvantagem de terem sido criados com muito menos regras, normas e disciplina.”

Uma das grandes dificuldades que os mais novos hoje apresentam, aponta Juliana, está na escrita: a geração nascida e criada em um mundo repleto de tweets de 140 caracteres e mensagens via WhatsApp como principal forma de se comunicar simplesmente não consegue concatenar ideias em textos mais longos e formais. “Há muita informalidade e uso de gírias. A boa comunicação formal é uma habilidade importante para a vida profissional e muito prejudicada pelos hábitos da modernidade”, diz a executiva.

 

Habilidades

A dispersão e a falta de atenção do jovem também fazem parte das reclamações. Por outro lado, a habilidade em se adaptar a mudanças e a energia são citadas como suas principais qualidades. “Os jovens trazem problemas para as organizações? Certamente que sim, mas trazem muitas soluções também, assim como os integrantes das outras gerações. Então, o primeiro passo é compreender que as gerações se completam e, assim, conseguimos sinergia”, enfatiza Fabossi. Cristina Lima, da Engineering, concorda: “O grande desafio é criar um ambiente que promova a integração entre as diversidades, já que as diferenças entre as gerações são notáveis”.

Para conhecer e se apresentar a esses jovens, bem antes de eles se inscreverem em processos seletivos, as empresas estão investindo nas redes sociais. A gigante anglo-holandesa mantém a fanpage Unilever Careers e a L’Oréal apresenta suas informações na L’Oréal Carreiras. “É fundamental estar no Facebook e outras redes para ampliar a comunicação com esse jovem, antes, durante e depois do processo seletivo. No programa de trainee, usamos, por exemplo, uma dinâmica de grupo on-line via Skype para os candidatos não terem de se deslocar”, conta Talita Fahl Kemmer, coordenadora de RH da L’Oréal Brasil.

 

Buscar na base

Outra estratégia utilizada por essas empresas é estar presente nas instituições de ensino, por intermédio de competições, palestras e participações em feiras de emprego promovidas por universidades. A L’Oréal, por exemplo, desde 2004 recruta universitários brasileiros para sua disputa anual chamada Brandstorm, um dos primeiros jogos de negócios do mundo, que serve para identificar jovens talentos. A Radix também oferece uma competição entre alunos de universidades, que tem como prêmio um estágio na organização, e que envolve aspectos técnicos e comportamentais. “Nosso programa de estágio é bastante diversificado, pois temos algumas formas de ingresso, além do processo seletivo tradicional. Participamos de eventos acadêmicos nas melhores instituições do país e promovemos concursos como o Quix, um jogo de perguntas e respostas voltadas para a área da empresa”, conta Claudia Pittioni, gestora de RH da companhia de engenharia e software.

Para Juliana, do Laboratório Sabin, fazer parte do dia a dia dessa turma é muito importante. “Para atrair esses jovens, estamos mais próximos das universidades e dos ambientes mais comuns a eles, sejam ambientes físicos ou virtuais, participando de feiras estudantis e nos comunicando pelas redes sociais. Além das pesquisas feitas com todos os nossos funcionários, a cada dois anos realizamos um estudo só com os jovens para compreender melhor seus interesses e expectativas”, afirma.

 

Histórias de líderes

No Laboratório Sabin, os estagiários participam de treinamentos nos quais um dos temas são histórias de líderes que começaram na empresa muito cedo, alguns em programas de estágio, e que hoje estão em cargos de gestão. Já o programa de trainee conta com um processo seletivo interno, que foca a captação e o desenvolvimento de talentos da própria organização.

De acordo com Márcio Manincor, da SBCoaching, um programa bem-sucedido para jovens precisa ter um plano formal de desenvolvimento de carreira, com a indicação das competências necessárias para a evolução de cargo do profissional. “Sabendo de forma transparente se o rumo está adequado ou se há necessidade de algum ajuste, o profissional poderá direcionar seu talento para os desafios da empresa, em vez de perder tempo interpretando o que é necessário para se sentir seguro e desempenhar suas atividades livremente”, aponta.

Em outras palavras, o importante é orientar e acompanhar de perto. “Procuramos monitorar os nossos jovens e também estamos atentos às pesquisas que tratam do assunto para entender um pouco melhor o que esse público espera. Sabemos que os principais motivadores para eles, hoje, são ambiente desafiador, oportunidade de aprendizado, exposição, aliados à qualidade de vida”, avalia Kátia Ikeda, superintendente de processos e pessoas da Brasilprev, que inclui em seu programa de estágio treinamentos mensais sobre carreira e postura profissional, além de encontros periódicos nos quais suas expectativas e detalhes de seu cotidiano são discutidos.

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