Gestão

Jornadas arquetípicas

de Fabíola Tarapanoff em 8 de fevereiro de 2012
Adriano Vizoni
Ferrer, um dos criadores do Jogo do herói: a mitologia tem um papel poderoso na transformação das pessoas

Formar novos líderes. Descobrir nossos pontos fortes (ou fracos). Aprender a trabalhar mais em equipe. Não importa o objetivo, toda jornada tem seu primeiro passo e, ainda mais quando se refere a questões como autoconhecimento e autoestima, em muitos aspectos se parece com a trajetória de um herói. Mas não nos referimos a figuras de destaque no mundo corporativo: o tal herói em questão situa-se em narrativas mais antigas, arquetípicas.

Por essa razão, não é de espantar quando, em meio a conceitos e tendências do management, apareçam ideias e observações de Joseph Campbell, por exemplo. Considerado como um dos maiores mitólogos de todos os tempos, ele é autor, entre outros, de O poder do mito, onde lemos: “Não precisamos nem mesmo nos arriscar sozinhos na aventura, pois os heróis de todos os tempos já foram à nossa frente. O labirinto já é conhecido, basta seguir os passos do herói.”

Atemporal, a obra de Campbell mostra um padrão de narrativa semelhante em diversos mitos, lendas e histórias: inicialmente o herói recebe um chamado à ação (partida) e deve sair de sua zona de conforto. Ele pode aceitar o chamado ou recusá-lo. Mas se ele decide viver essa aventura, passa por um processo de iniciação, em que enfrentará uma série de aventuras. Nessa jornada, haverá um momento de transformação (turning point) em que ele sairá modificado. No fim do percurso, é o momento em que o herói volta ao lar (retorno) com o conhecimento e os poderes que adquiriu ao longo do caminho. Afinal, como diz o poeta sevilhano Antònio Machado: “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar” (“caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar”).

Para o publicitário Ricardo Ferrer, a mitologia tem um papel poderoso na transformação das pessoas, pois ajuda a entender que todo ser humano tem um lado mais primal, direcionado à sobrevivência. “E o papel da jornada do herói é de direcionar essa energia, possibilitando que ele tenha maior consciência sobre quais são seus desafios”, diz. Em 2003, Ferrer e dois amigos, Leandro Leme e José Carlos Lima, deram início a uma jornada que os levaria a criar um jogo de tabuleiro (O jogo do herói) que agrega esses conceitos e os transpõe para o mundo corporativo. A ideia inicial era criar um livro-jogo; no entanto, o projeto ganhou vida própria e seguiu por outro caminho. “Em vez de comercializá-lo como produto, tornou-se um serviço”, conta. Mas até chegar a esse ponto, os três jovens tiveram de se reunir inúmeras vezes por cerca de um ano, inclusive em um mosteiro, onde ficaram isolados por alguns dias para finalizar o projeto. “Ali, estávamos longe das demandas do dia a dia”, conta Leandro Leme.

Formação de líderes
Os jovens acreditam que compreender a jornada do herói auxilia na formação de líderes, uma vez que ela permite que os profissionais desenvolvam seu autoconhecimento. “Nesse mundo pós-moderno, as empresas devem possibilitar que as pessoas conheçam mais a si mesmas e se relacionem melhor com os colegas. É um desafio organizacional e as companhias devem evoluir de forma heroica nesse sentido. Afinal, o que mantém a vida de uma empresa são as pessoas”, diz Ferrer.

Quem também considera a jornada de um herói uma fonte de experiências humanas e de aprendizado é Sônia Café, consultora editorial, e Aser Cortines, sócio e administrador da Cortines&Sebastiá Assessoria em Gestão Empresarial. Não por acaso, eles participaram do projeto dos jovens publicitários. “Toda narrativa tem o mesmo formato. O herói é chamado à ação, rompe com seu cotidiano e parte em busca de seu desafio. Em sua jornada, ele passa por uma série de dificuldades até o momento em que ocorrerá a grande transformação em sua vida”, conta Sônia. “A jornada do herói é arquetipicamente a tradução disso: sair do estado de inocência ao receber o chamado ao desafio e recusá-lo ou aceitá-lo. Estamos sempre vivenciando isso consciente ou inconscientemente”, completa.

Cortines confessa que sempre foi fascinado pelo tema. Tanto que, em 2006, viajou para a Califórnia, nos EUA, para participar de um workshop realizado pela Fundação Joseph Campbell. “Foi uma semana inteira de vivências que me auxiliou a compreender quais eram meus grandes desafios. Em uma das etapas, por exemplo, você deve enfrentar a morte, pois é preciso que alguns aspectos de sua vida morram para que surjam outros melhores”, comenta.

Saber lidar com esses rompimentos no mundo empresarial não é uma tarefa simples e muito menos fácil. Trabalho quase hercúleo, entender as mudanças e desafios é algo cada vez mais frequente no dia a dia de um executivo. E saber que todo processo de mudança exige um primeiro passo e que muitos já traçaram jornadas parecidas tende a dar um ânimo maior. Ou, ao menos, a nos aproximar de alguns heróis.

 

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