Saúde

Meu sobrenome é trabalho

de André Caldeira em 31 de março de 2016
workaholic

Atenção para os malefícios que o workaholic pode trazer para a sua empresa

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Paulo trabalha, em média, 12 horas por dia. Sai de casa às 7h30, sempre correndo, sem tomar café da manhã direito, enquanto os filhos ainda dormem. Trânsito, rádio ligado nas notícias do dia, celular e bloco de anotações a postos para tentar organizar sua rotina no caminho. Chega ao escritório por volta das 9h15, atrasado para a primeira reunião. Não consegue sequer passar a limpo as pendências que anotou. Reuniões, apresentações, e-mails atrasados, ligações, café, correria, almoço, com clientes ou parceiros. Comida geralmente em excesso, às vezes vinho. De tarde, pique ainda maior, sono combatido com mais café, ansiedade por entregar o que foi prometido para aquele grande cliente, a tal apresentação para o diretor etc. Quando olha no relógio, quase 20h30. E a lista de pendências se acumula para levar para casa, ou para o fim de semana. Ele chega em casa depois das 21h, filhos dormindo, de novo, esposa de cara feia. Banho, cama, depois de mais algumas horas no computador. Certas noites, o cansaço é tamanho que o sono só vem se induzido por um remédio. Dia seguinte, tudo de novo.

Paulo (ou Paula) pode ser você, seu chefe, um diretor ou um colaborador de sua empresa. Paulo, assim como boa parte dos profissionais, está estressado, vivendo um ritmo alucinado e crônico de ameaça à saúde dele, de sua função e da empresa onde trabalha.

Estudos atestam que o custo do estresse profissional nos EUA passa de 200 bilhões de dólares ao ano. No Brasil, estima-se que chegue a quase 4% do PIB, segundo a ISMA (International Stress Management Association). Mas que custo é esse? O da baixa produtividade, do absenteísmo, das licenças médicas, do turnover, do burnout, dos passivos trabalhistas, dos budgets crescentes de treinamento pela perda de bons profissionais para o estresse, da dificuldade de reter e atrair talentos. Isso dói no bolso e na reputação das empresas.

Com o mercado de trabalho cada vez mais competitivo e a crescente busca por mais eficiência, é natural que empresas se empenhem em atingir metas e entregar bons resultados. E isso só é possível exigindo mais dos colaboradores. Está montado o cenário da panela de pressão corporativa.

Somemos a isso a realidade do uso de tecnologias que permitem a mobilidade e o acesso ao trabalho quase 24 horas por dia. Além disso, um cenário econômico desafiador, as fusões e aquisições, a necessidade de outras línguas, bem como a atualização profissional constante. Tudo isso tem um resultado certo: estresse decorrente do trabalho.

No entanto, estamos falando de seres humanos, não de máquinas. Seres que têm limites, que têm vidas pessoais (ou deveriam ter), e que podem, de uma hora para outra, pifar. É fato que as empresas precisam de produtividade e resultados por parte de seus profissionais, mas elas podem fazer isso com mais atenção ao equilíbrio entre trabalho e estresse, a partir de diagnósticos adequados dos níveis de estresse da força de trabalho e com políticas consistentes e de vanguarda em gestão de pessoas, produtividade e qualidade de vida.
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Joe Labor

No meu livro Muito trabalho, pouco stress – conheça Joe Labor, e talvez um pouco mais sobre você, o personagem central, Joe Labor, é um workaholic maluco que vive sempre no limite da exaustão. Joe Labor, ou João Trabalho, vive de menos e trabalha demais. Ele tem uma rotina pomba-gira maluca, corre atrás de sua agenda, está sempre devendo no trabalho, não tem controle sobre sua rotina, é viciado em tecnologia por conta dos assuntos do escritório, sempre trabalha até mais tarde, leva trabalho para casa, trabalha nos fins de semana. Enfim, Joe vive para o trabalho, sem nunca sentir que está no controle de sua vida profissional. Ele não tem tempo para a família, mal vê a mulher e os filhos, e quando está com eles se pega pensando em assuntos do trabalho como se sua família estivesse em um cinema mudo. Quase não tem tempo para os amigos, não pratica esportes, bebe muito, come demais, tem insônia, e sempre quer matar todo mundo no trânsito. Joe quase não tem vida pessoal e sempre se sente devedor em casa por colocar o trabalho em primeiro lugar: em dedicação, tempo e importância. Joe é duplamente devedor. Deve no trabalho e deve em casa.

Joe também poderia ser chamado de Joana, afinal as mulheres profissionais são tão ou mais estressadas do que os homens. Além da credencial de executiva – que trabalha muito, que quer ocupar seu lugar no mercado de trabalho, que luta contra eventuais preconceitos para crescer na carreira –, a mulher tem a credencial de esposa, a de mãe e a de dona de casa. Antes de entrar ou ao sair do escritório, a mulher executiva normalmente tem de encontrar tempo para pensar na casa, na lista do supermercado, no acompanhamento da escola dos filhos, na atenção para a família e até nos cuidados com ela mesma: cabelo, unhas, roupas e afins, que são pauta exclusiva do universo feminino.
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Piloto automático

Independentemente do gênero, tempo é um bem precioso e escasso, e volume de trabalho é o que não falta. Quem já não passou por fases da vida profissional como a de Joe Labor? Qual empresa não tem um ou vários Joes em seu quadro de gestores, que estabelecem culturas tóxicas? O ponto central é quando isso se torna default na empresa como um modo de piloto automático de estresse profissional. Esse excesso tem consequências perigosas para a vida pessoal e para a produtividade dos profissionais e da companhia.

Para conciliar o excesso de trabalho com pouco estresse, é preciso que as empresas e os profissionais estejam alinhados quanto aos objetivos e estratégias para construir ambientes produtivos e saudáveis, que promovam a sustentabilidade humana. Isso passa por diagnósticos claros, por práticas de autoconhecimento, pelo reconhecimento dos limites pessoais, pela responsabilidade das escolhas, pela forma como se lida com as pressões do dia a dia (o chamado coping) e pela importante conclusão de que a resposta reside em cada um, pois o cenário à volta só tende a piorar. Isso mesmo, o entorno corporativo só tende a piorar: os segmentos de mercado serão cada vez mais competitivos, teremos mais e mais fusões e aquisições, um mercado de capitais mais exigente, que torna os índices de eficiência públicos e estabelece novos benchmarks para as empresas, o uso crescente e exacerbado de tecnologias móveis, funis e competição ferrenha pelos melhores empregos, avaliações e análises comparativas para progressão de carreira e assim por diante.

O grande problema é a forma irresponsável com que a maioria dos profissionais lida com o estresse, como se fosse um machucado crônico que incomoda, mas que não há o que fazer. É papel da empresa atuar na correção e na prevenção dessa situação. O profissional deve aprender a utilizar a mesma disciplina aplicada na carreira (e que muitas vezes é a causa de estresse) para a vida pessoal, criando momentos quase que obrigatórios de cuidado pessoal: tempo com a família, desligamento do trabalho, exercícios físicos, silêncio interior, mudança de canal cerebral etc. Isso deve ser tão importante quanto os resultados gerados por ele para a empresa. É o que chamo de “EuCorp”: somos todos tão gestores de nós mesmos como de nossas carreiras. Por que devotamos todo nosso tempo e atenção para a carreira e deixamos nossas “EuCorps” tão abandonadas e em segundo plano? Qual a sustentabilidade desse tipo de atitude a médio/longo prazo? Que tipo de satisfação e contentamento de vida estamos construindo se só focarmos o dinheiro e a carreira? Usar todo o tempo para trabalhar e ganhar dinheiro é como viver para respirar: não vivemos sem ar, mas não podemos viver para respirar. Portanto, não se pode viver somente para trabalhar e ganhar dinheiro.
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Diagnosticar o estresse

Programas efetivos de qualidade de vida devem aprofundar esse tipo de reflexão e transformação, indo muito além de espaços bonitos de descompressão e corners de quickmassage, que, aliás, são importantes se utilizados para criar pausas e fomentar a criatividade. Mas é preciso ir além: trabalhar com diagnóstico dos níveis de estresse dos profissionais, estabelecer indicadores, desenvolver estratégias de promoção de saúde que obrigatoriamente envolvam os líderes de equipes e empresas, com foco em saúde e produtividade. Não podemos nos iludir: queremos profissionais saudáveis para obter melhores resultados para nossas empresas. O desafio é a sustentabilidade, o equilíbrio entre a exigência profissional e a oferta de mecanismos de promoção de qualidade de vida, para manter profissionais mais saudáveis, mais produtivos e mais felizes.

As melhores empresas para trabalhar são aquelas que vão, de fato, além da consagração na mídia. São as que se preocupam verdadeiramente com seus profissionais, com o equilíbrio entre a produtividade profissional e a saúde pessoal, com os limites entre os resultados e o esgotamento, com a reputação que ecoa dos ambientes organizacionais.

Para Paulo, Joe Labor, ou qualquer outro profissional, é vital encontrar na empresa uma política que incentive a importância do equilíbrio no trabalho, o desenvolvimento da consciência dos limites, sua aplicação prática, bem como consistência ao longo do tempo. Só assim Paulo ou Joe (ou eu e você) vai ser mais produtivo e saudável, bem como poderá permanecer mais tempo na empresa onde trabalha. Sem abrir mão da produtividade e dos resultados que deve apresentar. Com mais equilíbrio entre a vida pessoal e a carreira. Sempre com muito trabalho, mas com pouco estresse.

Pontos-chaves para o equilíbrio
1. Limites pessoais
Devemos conhecer bem o ritmo e o rendimento das pessoas para respeitar a necessidade de pausas.
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2. Atenção para que os picos de estresse não se transformem em platôs
Trabalhos até mais tarde, fins de semana, conectividade com o trabalho, mesmo fora do escritório: tudo isso, em excesso, indica que as coisas estão saindo dos eixos.
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3. Produtividade e administração de tempo
Temos de criar uma rotina que permita cuidar dos assuntos emergenciais e mais importantes do dia a dia. Para isso, um check-list organizado, uma mesa minimamente em ordem e um senso de disciplina para não desperdiçar tempo com redes sociais, navegação na web ou papo em excesso no cafezinho são essenciais.
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4. Exercícios físicos
Além de excelentes para a autoestima, são fontes de endorfina, que alimentam o bem-estar e ajudam na produtividade no trabalho. Também ajudam a dormir melhor.
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5. Alimentação saudável
Muita água e cuidado com a alimentação. O ciclo de trabalho em excesso pode ser virtuoso ou vicioso, e o que se come influencia diretamente o metabolismo, grau de energia, autoestima e produtividade. Basta comparar uma refeição leve com uma feijoada ou churrasco e ver os efeitos em uma reunião logo após o almoço.
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6. Tempo para a vida pessoal
Os profissionais precisam reaprender a viver as demais dimensões da vida, o que inclui se desconectar do trabalho e curtir o tempo com a família, com os amigos ou alguns momentos preciosos de silêncio interior e autoconhecimento.

 

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