Gestão

Superação passo a passo

de Paulo Jebaili em 29 de outubro de 2015
Gerry Duffy: sem cansaço na busca de um objetivo

Percorrer os pouco mais de 42 quilômetros de uma maratona é uma tarefa árdua. Muitas pessoas se preparam a vida inteira para colocar essa conquista no currículo. O que dirá correr 32 maratonas? E o que pensar se essas provas acontecessem em dias seguidos, sem intervalo? Pois foi isso que o irlandês Gerry Duffy conseguiu, num feito histórico em seu país, em 2010. A ideia foi promover uma maratona em 32 condados (equivalentes a um estado), 26 na República da Irlanda e seis na Irlanda do Norte. O objetivo do evento foi arrecadar fundos para instituições de caridade. Ao lado do amigo Ken Whitelaw, Duffy, então com 42 anos, cumpriu a meta que havia estipulado, mesmo acometido por uma gastroenterite no penúltimo dia. Apesar de estar debilitado, cruzou a linha de chegada da 32ª maratona. Em termos financeiros, o objetivo também foi alcançado, com mais de 500 mil euros arrecadados para as entidades.

Após essa empreitada aparentemente sobre-humana, Duffy tornou-se um palestrante requisitado por empresas para falar de temas como superação de metas, planejamento, visão e desenvolvimento pessoal. Sua experiência nas 32 provas está relatada no livro Who dares, runs (Ballpoint Press, 310 páginas, 2011, sem tradução no Brasil).

Na entrevista a seguir, concedida à MELHOR, Gerry Duffy conta como foi essa empreitada, desde a concepção da ideia até a sensação de cruzar a linha de chegada da 32ª prova.

Como surgiu a ideia de fazer um evento com 32 maratonas?
Minha inspiração veio de um livro sobre corridas que li em 2008. A partir do momento em que tive a ideia de correr 32 maratonas em 32 dias, eu sabia que iria concretizá-la. Também sabia que precisaria de dois anos para ficar preparado – então, me mantive quieto por um ano. Depois desse tempo, perguntei a um amigo, Ken Whitelaw, se ele topava se juntar a mim nessa empreitada. Ele era mais jovem e mais preparado que eu em vários sentidos. A fase final de treinamento levou 23 semanas, período que nos deixou em boas condições físicas.

A lógica foi uma maratona para cada condado. Se fossem 40,  os senhores correriam 40 maratonas?  
A ideia era correr uma maratona por condado. Sim, certamente nós tentaríamos, se fosse o caso.

Como o aspecto psicológico foi trabalhado?
Refleti sobre os muitos eventos de que eu havia participado até então. Mas eu também sabia que ainda estava longe do condicionamento necessário. Por isso eu me dei dois anos de preparação. Também estabeleci um desafio intermediário, que consistia em completar um triatlo, que equivalia a um duplo Ironman (7,7 km de natação, 363 km de ciclismo e 84 km de corrida). E eu consegui isso em agosto de 2009. Em seguida, começava o segundo ano para o restante da preparação – quase toda envolvendo corrida. Percorríamos aproximadamente 180 km em cada semana de treinamento.

Além da preparação física, o senhor também se envolveu com a organização e com a logística do evento?
Sim, Ken e eu nos envolvemos com todos os aspectos do evento. À medida que se aproximava, fomos ajudados por uma brilhante equipe de 16 pessoas que cuidou da parte final, nas últimas seis semanas. Contamos ainda com a participação de mais de 1,5 mil voluntários durante os 32 dias. Nós também estávamos tentando levantar fundos significativos para caridade. Para conseguir isso, nós recorremos a pessoas que poderiam correr meia-maratona ou a prova completa. Como parte da inscrição, eles se comprometiam a angariar fundos para as instituições de caridade. Ao longo dos 32 dias, conseguimos mobilizar mais de 1,1 mil corredores.

Como foi essa experiência?
Se considerarmos a logística, foi algo incrivelmente desafiador. Como resultado dessa aproximação das pessoas do evento, abrimos toda uma nova área de considerações logísticas. Cada tarefa, empreitada ou missão era repetida 32 vezes, pois estávamos fazendo 32 eventos diferentes em 32 lugares diferentes. Isso consumiu cerca de quatro horas diárias durante um ano, todos os dias da semana. Esse período tinha de ser conciliado com uma vida familiar normal, tocar um negócio, estudar e a nossa própria preparação.  

O senhor chegou a passar por momentos de dúvida durante a preparação?   
Dúvida, não. Mas certamente nossa determinação e resiliência foram testadas várias vezes. Nesses momentos, no entanto, costumávamos nos lembrar do motivo pelo qual estávamos fazendo aquilo. No meu trabalho atual, como palestrante sobre estabelecimento de metas e desenvolvimento pessoal, eu explico de que modo um “porquê” suficientemente forte pode superar qualquer “como” com o qual tenhamos de lidar na busca por um objetivo.

Como as pessoas próximas ao senhor reagiram diante da ideia de fazer um evento como esse?
Pelo fato de eu ter feito o Ironman e outros eventos similares, elas haviam se acostumado com a ideia de que eu adorava fazer provas extremas. Ainda assim, isso era diferente, então eu me certifiquei de que iria mesmo participar e expliquei a elas antes de os nossos planos virem a público.

Na penúltima maratona, o senhor chegou ao seu limite. Cogitou desistir?  
No trigésimo primeiro dia eu tive uma gastroenterite, intoxicação alimentar. Apesar de estar muito doente e de ter sido atendido em uma clínica médica na penúltima noite, eu teria cumprido a última prova nem que fosse me arrastando. Talvez o maior desafio tenha sido correr a maratona final tendo ingerido pouca ou nenhuma comida nas 36 horas anteriores.

O que o fez continuar?
Eu creio que foi como a imagem da mulher levantando um carro para salvar uma criança. Eu estava muito próximo do meu objetivo, mas tinha de cruzar a trigésima segunda linha de chegada. Eu tinha sonhado com esse objetivo durante dois anos e trabalhamos diariamente durante um ano para realizá-lo. Eu não queria correr 33 maratonas, mas, muito menos, parar na trigésima primeira.

Mas, do ponto de vista físico, como sabia que não estava ultrapassando uma fronteira perigosa?
Exceto pela intoxicação ali­men­tar, eu estava OK. Eu passei por uma consulta na clínica e segui as recomendações que o médico me passou.

Qual a importância do trabalho em equipe durante as 32 maratonas?
O evento se tornou muito grande, com mais de 2,5 mil pessoas colaborando de diferentes formas, então o trabalho em equipe foi fundamental. Nosso objetivo era correr 32 maratonas, organizar cada uma das 32 provas com a participação das pessoas e tentar arrecadar fundos. Isso envolveu centenas de ações e tarefas, e todas tinham de ser concluídas para alcançarmos as nossas metas. Durante o tempo todo, nossa prioridade era a segurança. Tudo mais vinha depois disso.

E qual a importância do planejamento num desafio dessa magnitude?  
Extremamente importante. Tratava-se de um evento público em localidades diferentes, com a logística envolvendo vários desafios. Tínhamos dois grandes objetivos: correr 32 maratonas consecutivas e levantar um fundo considerável (500 mil euros). A captação de recursos e a logística muitas vezes foram mais desafiadoras do que as corridas.

Que passos o senhor considera fundamentais para o sucesso em áreas como os esportes, os negócios e outras?
Minha regra número um para qualquer ambição ou meta é respeitá-la. Respeitar a preparação e o comprometimento que ela demanda. Isso significa planejamento meticuloso, em que cada detalhe é colocado no microscópio. Felizmente nós preenchemos os itens da nossa lista de tarefas com antecedência. A regra número dois é ter uma visão muito clara do que representa a sua linha de chegada e mantê-la sempre em mente. Você precisa ser capaz de fechar os olhos e literalmente vê-la o tempo todo. O próximo passo é criar metas desafiadoras, porém realistas, para que a performance as torne possíveis. Quando eu concebi a ideia, ela ainda não era realista. Essa é a razão pela qual eu dediquei um ano de treinamento para aquele duplo Ironman. Mesmo depois de completá-lo, me comprometi a me dedicar a mais um ano de treino e preparação. Foi desse modo que o desafio tornou-se alcançável para mim. Certifique-se de que suas metas são bem específicas, estipule um prazo e registre tudo por escrito. Esse é o segredo. No meu trabalho, falo da necessidade de nos cercarmos de três tipos de pessoas. As que têm atributos para serem compartilhados; as que nos mantêm fiéis aos nossos propósitos, e aquelas que nos inspiram. Essas pessoas são aliados-chave e contribuem para o nosso sucesso. Cerque-se de boas pessoas.  

Qual o princípio fundamental que o senhor aplicou no seu desafio que também poderia ser útil no mundo dos negócios?
Ter respeito por aquilo que eu havia me comprometido a atingir. Em seguida, se preparar e cumprir os planos que tornarão aquela meta exequível.

Qual a importância do foco e de uma atitude mental positiva para alcançar os objetivos?
Para mim, foco é a arma secreta. É o que tem me permitido conseguir as coisas que eu imaginava estarem além de mim. Isso se aplica não apenas a eventos de resistência, mas também aos negócios e a outros aspectos, como educação continuada ou equilíbrio entre vida e trabalho. Para manter uma atitude mental positiva, eu lanço mão de duas estratégias. Primeiro, lembro a mim mesmo que fui eu quem escolheu ter tais objetivos. Há quem não tenha a mesma sorte. Pessoas que se veem diante de desafios que não escolheram. Depois, pergunto a mim mesmo: “Eu ‘tenho’ de fazer isso ou ‘busco’ isso?”. É uma filosofia muito empoderadora e que coloca uma grande energia tanto física quanto mental onde quer que eu a use.

O senhor poderia citar os maiores obstáculos para uma atitude de acreditar ser possível alcançar uma meta desafiadora?
Geralmente, quando estamos envolvidos com metas desafiadoras, nosso foco vai para o que temos de fazer. Eu encontrei um modo muito mais poderoso de lembrar a mim mesmo – naqueles momentos mais difíceis – que é por que estou fazendo aquilo em primeiro lugar. Se você tem um “porquê” suficientemente forte, isso o ajuda a superar quase todo “o quê” ou “como”. Descobri que isso é muito útil em todos os momentos para colocar meus desafios em perspectiva.

O senhor pode descrever o que sentiu ao cruzar a linha de chegada da última maratona?
É uma montanha-russa de emoções e desafios pela qual passamos ao longo dos 32 dias. Como consequência, o sentimento depois de tudo isso foi de alívio. Eu raramente fico emocionado ao cruzar a linha de chegada. Mas eu geralmente me emociono meses antes, durante as minhas sessões de treinamento logo cedo pela manhã. Uma das minhas frases favoritas é “A experiência está na jornada, não no destino”.

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